“Alguns dos seus discípulos estavam comentando como o templo era adornado com lindas pedras e dádivas dedicadas a Deus. Mas Jesus disse: Disso que vocês estão vendo, dias virão em que não ficará pedra sobre pedra; serão todas derrubadas”.
Lc. 21:5-6.
É comum os homens se impressionarem com a“opulência” da religião. Não foi diferente com os discípulos de Jesus. Eles conviviam todos os dias com o “Templo” que se movia, pois o sagrado havia tomado forma humana e se revestido de sangue e suor.
O verbo havia encarnado, deixado de ser palavra para constituir-se em ação, transmutara-se do metafísico ao físico, do transcendente para o imanente. Não obstante tudo isso, eles ainda se extasiavam com o aparente...
Também pudera! Ali estava o Templo! Suas pedras chamavam a atenção pela grandiosidade! Contudo e, intrigantemente, mesmo possuindo milhares delas engenhosamente arrumadas, faltava uma única para poder dar-lhe significado e propósito: a “Pedra Angular”.
Na verdade, ali não estava apenas uma imponente construção, mas o símbolo máximo de um sistema religioso cuidadosamente construído e que levara gerações para calcificar os mitos do sagrado de Israel.
Um coração quebrantado, todavia, era capaz de discernir que aquele lugar estava vazio, pois revestia-se de liturgias ocas, dessignificadas, constituía-se apenas obra de engenharia, mas não possuía qualquer possibilidade de produzir vida.
Diferentemente de seus discípulos, Jesus não se impressionou com o Templo. Ele sabia que tudo o que ali era feito não passava de “sombras”, projeções vagas do que, de fato, possuía valor para Deus.
Se usássemos Platão, poderíamos dizer que o que ali se fazia era apenas a reprodução de imagens, hologramas do mundo das ideias, imitações do verdadeiro sagrado, o qual estava “no alto” e, por sua vez, era constituído de outra inteligência e vontade, com valores e princípios diferentes.
Aquelas práticas estavam enraizadas na tradição, mas suas raízes eram incapazes de chegar ao coração, pois a mente estava cauterizada, os sentido embotados, as ações mecanizadas, tudo havia se tornado vã repetição, sacrifício de tolos, devoção empírica, religião de exterioridades.
Naquela manhã, Jesus anteviu a destruição do Templo e a profetizou. Anos mais tarde, em 70 d.C, o general Tito entrou em Jerusalém e dele não restou pedra sobre pedra.
Mas a verdadeira destruição já havia se processado bem antes, pois apesar das pedras manterem a “casa” de pé, por dentro dela não se podia encontrar o Espírito, o qual, por meio da fé, mediante a graça, é o único capaz de produzir arrependimento e nos levar à salvação.
“Destruir para construir-se”. A frase não é minha, mas de Nietzsche. Está em Crepúsculo dos Ídolos, um de seus últimos escritos. Com uma “fúria” insuperável, ele ensina como se “filosofar com o marte-lo” e parte para a destruição de tudo o que tenha se constituído, de alguma forma, iconoclasta. Eis aí o grande problema da religião: a construção em série de ídolos!
“Quem perder a sua vida, por amor de mim, acha-la-á”.
Sem morte não pode haver vida! Sem desconstrução não existe ressignificação! Jesus morreu por volta do ano 30 e o Templo de Jerusalém foi arrasado 40 anos mais tarde. Enquanto um santuário, pela destruição, fechou as suas portas, o outro, pela mesma via, abriu-as por toda a eternidade.
A mensagem do Nazareno não pôde ser destruída, nem mesmo contida, espalhou-se por todo o mundo, de casa em casa, nas esquinas das ruas, nos becos, nas estradas da Palestina, em cada cidade ou vilarejo.
As portas do Reino dos céus foram escancaradas, pois Deus não estava confinado ao Templo, muito pelo contrário, havia resolvido andar com os homens, com aqueles que desejassem adorá-lo em Espírito e em Verdade. E Seu convite era irrecusável: “Vinde a Mim...”.
Creio firmemente que o cristianismo, na sua concepção atual, tornou-se um ídolo, precisa morrer, destruir-se para construir-se. Sim, precisa deixar as formas caducas e dogmáticas para que possa se encontrar novamente com os conteúdos da mensagem de Jesus de Nazaré.
Para tal, todavia, é preciso diluir-se, para que a verdadeira religião possa, mais uma vez, surgir. Sim, aquela da qual nos fala Isaías, que “solta as ligaduras da impiedade, desfaz as ataduras do jugo e deixa livre os oprimidos”.
Carlos Moreira
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