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24 janeiro 2011

Uma Janela para a Vida



A porta abriu-se e eu dei de cara com aquela quitinete toda pintada de amarelo ovo. Achei estranho, mas a casa tinha vida própria: braços, pernas, olhos e ouvidos. Nela mora “a menina das palavras”, uma escritora e poetisa que fez de São Paulo o seu mundo, o seu lugar. 

Ela me mostrou seu cantinho com especial deferência, mas deu destaque àquela janela, uma que dá para a rua onde mora. Debruçada sobre ela, vê a cidade de um ângulo privilegiado, observa sem ser observada, espreita a vida que se arrasta preguiçosa bem abaixo do seu nariz. Incólume, assisti a tudo o que se passa: pessoas correndo, carros buzinando, motos barulhentas, ônibus fumacentos, o fluxo da vida que vem e vai. Às vezes chove, às vezes faz calor. Há dias de “trevas”, mas ela me disse que o sol sempre dá as caras...

Enquanto conversávamos, percebi que daquela janela não se vê apenas a rua, a cidade, mas o mundo. Sim, tudo pode ser observado dali, a grande passarela por onde a vida desfila, a vida como ela é – dramas e dores, medos e temores –, tudo do que gente é feito. 

Diante daquele cenário, ocorreu-me: no que pensam essas pessoas que, tão apressadamente, correm de um lado para outro? Quem são elas? Onde moram? Como vivem? Quais são seus sonhos, inquietações? Difícil decifrar... O tempo nos permite apenas um relance de olhar.

Lembrei, então, de uma citação de Jesus: “Os olhos são a candeia do corpo. Quando os seus olhos forem bons, igualmente todo o seu corpo estará cheio de luz. Mas quando forem maus, igualmente o seu corpo estará cheio de trevas”. Lc. 11:34.

O texto solto pode não nos dizer grandes coisas. Dentro de seu contexto imediato, todavia, ganha novos significados. Jesus acabara de dizer aos seus ouvintes, que lhe pediam insistentemente um “sinal”, que eles precisavam atentar para o que acontecera ao profeta Jonas.

A história de Jonas nos revela um homem acometido de uma terrível enfermidade, uma doença que lhe atacara os olhos, pois sua visão havia se tornado embotada, seu aparelho visual estava daltônico, incapaz de ver as cores, a beleza, o brilho da luz.

Jonas olhava, mas não enxergava. Sua consciência havia se cauterizado pela dureza e perversidade da sociedade na qual vivia. Era assim que ele percebia a grande metrópole de Nínive, 100 mil pessoas indo e vindo, desencontradas de si mesmas, de um propósito maior para existir..

Na “janela” de Jonas, a vida perdera a sensibilidade, a magia, a singularidade. Sobrara-lhe apenas a realidade. Ele já não possuía mais a capacidade de sonhar, de acreditar, de alçar voos e adentrar mares.

Mas algo inusitado o esperava... Ao tentar fugir de Deus e de seu destino, foi parar num dos “antros da terra”, no lugar mais improvável da existência: o interior de um grande peixe. Espero que entenda a alegoria...

Sozinho, amedrontado, desprovido de tudo, sem controle de nada, rendeu-se a si mesmo e à soberania de Deus. “Os olhos do espírito só começam a ser penetrantes quando os do corpo principiam a enfraquecer”. Platão, filósofo grego.

Ao sair dali, rumou de volta para Nínive. Seus olhos, entretanto, já não eram mais os mesmos... A escuridão na qual havia ficado lhe abrira novamente as percepções e sentidos. Agora, mesmo vendado, seria capaz de enxergar. Num relance, discerniu toda aquela miséria que o cercava, a futilidade das almas que naquela sociedade viviam, a banalidade de suas vidas, a inutilidade de seus dias.

Mas Jonas agora podia ver aquilo que antes lhe era impossível. Onde havia trevas ele viu luz; onde havia morte ele viu vida; onde havia desesperança ele viu oportunidades; onde havia dor ele viu alegria; onde havia enfermidade ele viu a cura. Sua mensagem de amor e graça deu à cidade a chance de reescrever uma nova história.


Quero lhe dizer algo: a vida nem é boa nem é má – ela é como é. São os teus olhos que lhe dão sentido e significação. A maneira como você percebe as situações, os acontecimentos, é o que dará a cada fato a sua “tonalidade” própria – cinza chumbo ou azul-turquesa.


Se os teus olhos forem bons, capazes de olhar para o outro com reverência, para a dor com solidariedade, para a perda com gratidão, para o lamento com alegria, para a amargura com contentamento, para a injustiça com esperança, todo o teu corpo usufruirá disso, e você terá saúde física, emocional e espiritual, será como uma candeia em meio à escuridão.


Do contrário, tudo o que se poderá perceber através de teu olhar será um grande amontoado de fatos desconexos, uma realidade caótica, um mundo perverso, um Deus bizarro, sadista, que trata seres humanos como marionetes circenses.


Sim, você enxergará as pessoas como uma multidão de gente louca, indo do nada para lugar algum, pois, certamente, se os seus olhos forem maus, que grandes trevas habitarão o interior do seu ser. Por isso, nunca se esqueça do que disse o escritor Saint-Exupéry: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível para os olhos”.


Deixei o apartamento naquela tarde carregando em mim lições preciosas que a vida, por vezes, nos traz de forma simples... Aquela janela, compreendi, não dá para a rua... Na verdade, abre-se para mundos.



Carlos Moreira

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