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10 dezembro 2010

Wilson, Deus e Eu


O filme “O Náufrago” foi sem dúvida um dos melhores a que assisti em minha vida. Chuck Noland, um engenheiro de sistemas da Fedex, ao realizar uma viagem de rotina, sofre um acidente de avião e se vê abandonado numa ilha remota como único sobrevivente do desastre.

Na história impressionante de Robert Zemeckis interpretada pelo ator Tom Hanks, Chuck tem de sobreviver a qualquer custo, pois está privado de todas as regalias da vida contemporânea, tendo consigo apenas alguns poucos destroços do avião que foram parar na praia. Seu único consolo é a foto da mulher que ama, que carrega dentro de um pequeno colar que recebera momentos antes de viajar.

A película trata de um tema muito relevante, que é a necessidade do ser humano, como ser social, acostumado a relacionar-se e manter interações intensas com pessoas, de repente, vê-se isolado de tudo e de todos.

Esse é o drama de Chuck. Na sua ânsia de comunicar-se para não enveredar por um estágio de loucura, ele dá vida a um personagem inusitado, a bola de voleibol da marca Wilson, que se transforma em seu amigo homônimo. A bola ganha feições humanas ao ter o couro pintado com o sangue do próprio Chuck, que se fere ao tentar criar apetrechos para sua sobrevivência.

No fundo, o personagem sabe que fala e interage com uma bola de voleibol, mas faz isso para aplacar o desespero, a solidão e até a perda da razão. Na verdade, a bola passa a ser parte do próprio “eu” de Chuck, pois, não raro, questiona-o, re-prime-o, critica-o, como se fosse uma projeção de sua própria consciência.

De todas as cenas do filme, uma, em particular, me marcou. É o momento em que Chuck, após construir uma jangada, consegue escapar da ilha em busca do alto-mar e da possibilidade de ser resgatado por um navio. Dias a fio sob o sol, cansado, desidratado, no final de suas forças, ele acorda e vê que Wilson havia se soltado da balsa e, empurrado pela correnteza, estava se afastando.

Sem detença, Chuck pula ao mar e tenta ir ao encontro do “amigo” para resgatá-lo, mas acaba tendo de optar entre salvá-lo ou manter a balsa, sua única chance de sobrevivência.

É aí que, em determinado momento, chorando muito, ele cai em si e vê que o que está tentando fazer é algo insano. Dessa forma, desiste de Wilson e volta à balsa. O que se vê em seguida é um homem totalmente arrasado, como se tivesse perdido alguém da família, repetindo na sua angústia e no desespero que a solidão lhe trouxera, a frase: “Desculpe, Wilson, desculpe...”.

“Mas o que para mim era lucro, passei a considerar perda, por causa de Cristo. Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por cuja causa perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar a Cristo”. Fp 3:7-8.

Se há uma coisa importante que devemos logo aprender na vida cristã é que ela é feita de perdas. O próprio Jesus disse: “Quem perder a sua vida por amor a mim, ganhá-la-á”.

Infelizmente, essa é uma das frases mais mal interpretadas do Novo Testamento, saindo, não raro, da perspectiva do Evangelho, e adentrando nas correntes filosóficas estoica, cética e epicurista, que se baseiam na ataraxia, uma forma de mortificação do eu, das emoções e sensações.

Em absoluto, todavia, era essa a proposta de Jesus, pois o que Ele oferece é o abandono total da religião que, privilegiando o esforço próprio e meritório, anula a rendição que pacifica a mente e o ser mediante a graça de Deus, que já realizou tudo – Tetelestai (está pago) – e isso para todo aquele que crer.

O texto citado acima, da carta aos Filipenses, foi escrito em condições especiais. A igreja na cidade de Filipos havia sido plantada por Paulo, conforme Atos 16:9-12. Anos mais tarde, essa comunidade havia crescido e se fortalecido, o que trouxe muitas alegrias ao coração do apóstolo.

Escrita quando ele estava na prisão em Roma, manifesta o seu gozo pelo que Deus está ali realizando. Por isso a citação dos versos 7 e 8 ganham contornos muito mais profundos...

Perder parece ser condição sine qua non para todo aquele que deseja “ganhar” na vida. Ludwig Borne, jornalista alemão do século XIX, afirma: “Perder uma ilusão torna-nos mais sábios do que encontrar uma verdade”. Frase intrigante... sobretudo se contrastada com o que diz a psicanalista Judith Viorst, pesquisadora do Instituto Psicanalítico de Washington, autora do livro “Perdas Necessárias”, que afirma que, “ao fazermos a escolha por um caminho, deixamos implícitas duas decisões, uma ligada ao ganho do caminho escolhido e outra ligada à perda daquele caminho que deixamos para trás. E assim vamos, ao longo de cada dia ganhando e perdendo”.

E ela continua: “A experiência da perda carrega consigo o fim de um ciclo e o início de um novo caminhar. Desta forma, a capacidade de poder viver a perda como uma oportunidade, mesmo que sofrida, faz de nós pessoas melhores e maduras”.

Em suas últimas linhas do livro, a pesquisadora revela como é fundamental para o ser humano elucidar a própria compreensão desses processos de perda. Ela afirma que precisamos: “Compreender que a perda está implícita ao direito e à capacidade de estar vivo”.

Todos nós, mais cedo ou mais tarde, teremos um Wilson em nossas vidas que precisará ser abando-nado. Ele poderá, existencialmente, assumir muitos matizes; quem sabe, será o abandono de um amor impossível, platônico, mas que precisa ser deixado para ser levado pela “correnteza” da vida. Ou, tal-vez, seu “Wilson” seja um projeto pelo qual você trabalhou toda a vida, mas que, racionalmente falando, não tem como se desdobrar em algo viável.

Pode ser ainda uma amizade que se dessignificou, pois perdeu o sentido e o propósito. Quem sabe assuma os contornos de um sonho acalentado desde a infância, mas que diante da realidade crua da vida adulta não é mais viável. Também pode ser o abandono de um emprego, de uma cidade, até mesmo de uma igreja, do convívio de gente com quem você caminhou toda a vida, mas agora o destino lhe chama a outras paragens.

Wilson pode assumir qualquer forma ou até mesmo tomar o lugar de uma pessoa. Por vezes ele é a necessidade de superarmos uma separação profundamente dolorosa, virarmos a página, começarmos de novo.

Em outros casos, é a necessidade de sermos pragmáticos para podermos esquecer a perda de alguém que amávamos e que a morte levou em direção à Vida. Wilson, às vezes, aparece em situações extremas como, por exemplo, em crises financeiras, em que é necessário nos desfazermos de coisas que amamos e que conquistamos com grande esforço e renúncias. Seja como for, cedo ou tarde, teremos em nossas vidas um Wilson e, irremediavelmente, seremos levados a fazer uma escolha.

Para mim, a lição mais importante do filme “O Náufrago” é mostrar que o ser humano, mesmo perdido em meio a dúvidas e medos, precisa continuar a viver, afinal, a própria vida – simbolicamente identificada no filme como a maré – é capaz de nos surpreender, trazendo sempre algo totalmente novo a cada dia que amanhece.


Carlos Moreira

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