Quando iniciei minha vida religiosa disseram-me que eu deveria priorizar sempre as coisas espirituais e deixar em segundo plano aquilo que fosse “secular” (mundano, não-sacro, não-espiritual). Ensinaram-me desde cedo que atividades como ir a igreja, ler a Bíblia e participar de cultos eram atividades de natureza espiritual, enquanto que outras como trabalhar, freqüentar a faculdade, visitar um amigo, assistir televisão e passear no shoping eram mundanas.
Quinze anos depois não acredito em nada disso mais. Essa segmentação do cotidiano, esse dualismo cartesiano com roupa cristã não corresponde aquilo que lemos na Palavra de Deus, nem muito menos ao que Jesus Cristo ensinou. Uma coisa é o que Deus fala, outra coisa é o que os homens dizem que Deus fala.
Em primeiro lugar, essa divisão arbitrária e equivocada feita entre sagrado e profano, levou muitas pessoas a desprezar atividades que, embora não revestidas de um caráter religioso imediato, no final acabam contribuindo para o bem estar espiritual e para a comunhão com Deus.
Em segundo lugar, a divisão feita entre atividades sagradas e profanas desvinculou a responsabilidade espiritual de esferas importantes da vida como trabalho, estudo, lazer e convivência com os amigos, resultando na formação de pessoas com dupla personalidade: uma para “usar” nos ambientes sacros e outra para uso “secular”. Pura esquizofrenia!
O terceiro resultado dessa ilegítima divisão entre sagrado e profano repercutiu diretamente na classificação dos pecados. Pecado e não-espiritualidade passou a ser sinônimo de ingestão de bebidas alcoólicas, tabagismo e sexo antes do casamento, enquanto que atitudes abomináveis diante de Deus como inveja, arrogância, fingimento, hipocrisia, injustiça e outras barbaridades geralmente não são consideradas faltas graves.
Enfim, não acredito nessa separação perniciosa entre sagrado e profano porque o dia-a-dia me ensinou que mesmo dentro de um templo os homens podem estar agindo carnalmente e movidos pelo diabo, mesmo usando a Bíblia, alguns indivíduos podem estar semeando a mentira; enquanto que às vezes a experiência mais simples do cotidiano pode revestir-se de intensa espiritualidade quando vivida com intenso amor e respeito ao próximo.
André Pessoa
Perseverança
Há 6 dias
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