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Jesus dizia a todos: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me. Lucas 9:23.

19 agosto 2010

Ponto de Mutação

A revista Época, publicada no último dia 9 de agosto de 2010, trouxe como matéria de capa o tema: “Os Novos Evangélicos”. Seu conteúdo pode ser acessado através do site Púlpito Cristão no endereço:
www.pulpitocristao.com/2010/08/nova-reforma-protestante.html

A reportagem, produzida pelo jornalista Ricardo Alexandre, trás em suas sete páginas de texto alguns recortes dos bastidores da fé evangélica no Brasil. Cético quanto ao tema, comprei a revista... Li e sofri. Gostei dos quatro primeiros parágrafos, e foi só.

Nesta exígua porção de texto encontrei a explanação de que pequenos grupos de pessoas comuns estão experimentando, através da existencialização dos valores do Reino de Deus, a Boa Nova do Evangelho de Jesus Cristo, com todos os seus desdobramentos e implicações.

A partir daí, num texto fluído, desenrola-se o tema central da matéria que é o desejo dos grupos ligados às Igrejas Históricas de denunciar os desmandos, falcatruas, manipulações e estelionatos do movimento neopentescostal, iniciado no Brasil na década de 1980. Até aí, nenhuma novidade. Tudo está às claras; só não ver quem não quer.

Resumidamente, naquilo que li, achei aqui e ali algumas afirmações interessantes, de gente que, sei, possui consciência e credibilidade. Alegrei-me ao constatar que tenho falado coisas parecidas, como o fato do dogma ser ponto de partida, e não apenas de chegada; que a igreja precisa transmutar-se de sólida para líquida, penetrando nos meandros da sociedade; que a mensagem deve ser ressignificada para o nosso tempo; que nossa herança neo-platônica, dualista, necessita ser banida, pois urge a necessidade de nos “conectarmos” a arte, a cultura, a literatura, aos movimentos sociais e rendermo-nos ao fato de que Deus fala de diferentes formas, e não exclusivamente através de nosso “arraial institucional”.

A matéria ia bem até certo ponto... Foi quando encontrei o que penso ser um exagero desmedido: a tentativa de intitular este “mover” de “Nova Reforma Protestante”. E digo isto, sobretudo, por saber que a primeira Reforma, cultuada como evento dicotômico religioso, foi muito mais significativa do ponto de vista sócio econômico e cultural, do que da perspectiva religiosa. Respeito e reconheço o esforço de homens e mulheres que doaram suas vidas pelo ideal da Reforma, impulsionados pela renascença e sob a égide do iluminismo. Mas, para mim, o que se fez na verdade foi colocar “remendo novo em vestido velho”, ainda que o propósito fosse outro. O resultado final, todavia, e para quem conhece a história, fica em muito a dever em termos de reconstrução da fé.

De fato, o que vi na reportagem, tirando todo o “romantismo”, foi o amálgama de um movimento nascente que tenciona recrutar os que almejam alcançar procurações do céu para o exercício do sagrado na Terra, indo ao encalce dos “apóstatas encapetados” que, além de não possuírem o devido pedigree espiritual – sucessão apostólica, heranças históricas, teológicas, litúrgicas e sacramentais – estão metendo os pés pelas mãos em suas bizarrices, as quais fazem os hereges e bruxas da idade média virarem criancinhas em banco de escola dominical.

Diante deste contexto, seria legítimo perguntar: e Jesus, o que faria? Ora, Jesus jamais se preocupou com a pregação de quem quer que seja, do que quer que fosse, mas apenas em semear a boa semente do amor e da misericórdia. No seu tempo, ao seu modo, também tratou de questões semelhantes... “vocês dizem que o templo é o lugar da adoração. Nós dizemos que é o monte”. Lembra? É a fala da mulher Samaritana, no encontro inusitado com o Senhor que, dentre outras coisas, revelava o eterno embate entre judeus e samaritanos quanto aos direitos autorais de legislar sobre o sagrado. No fundo, é o mesmo arquétipo.

O Galileu, todavia, alheio a estas questiúnculas, desconstruiu a tradição e respondeu a mulher: “nem lá, nem aqui, nem mais em lugar nenhum, pois Deus nunca se fez refém de nada, nem de nenhum tipo de geografia, nem de heranças espirituais, nem de genealogias, nem de sacrifícios, nem de sacerdotes, pois chegou à hora que os que com Ele quiserem se relacionar terão de fazê-lo para além dos ditames da religião, dos ritos, dos mitos, dos dogmas, das liturgias, das expressões banais, da adoração desprovida de propósitos, dos cultos esvaziados de significados, das ofertas entregues sem entendimento, pois precisarão fazer isto a partir da essência do ser, discernindo os ambientes do coração,e isto em espírito e em verdade”.

Não se engane: Deus é claustrofóbico! Não pode ser aprisionado, domesticado, sistematizado ou deixar-se neurotizar por qualquer demanda humana, para atender ditames religiosos com vistas a aquiescer ou endossar decisões de grupos, estejam eles munidos ou não de “bons propósitos”.

Ele Não pode ser enclausurado num templo, não tem compromisso com métodos, estratégias, estruturas, nem se associa a denominações. Não investe em “ministérios”, não se torna membro de igrejas, e nem mesmo se responsabiliza por aquilo que sai da boca de seus profetas. Além do mais, não se ocupa de cultos performáticos, não se impressiona com milagres forjados, não se associa a auditórios catárticos, não se dobra a coisa alguma, pois, sendo Senhor e Soberano, só faz aquilo que deseja. Por isso, é impossível “conectá-lo” a este ou aquele grupo, pois Ele, simplesmente, age onde quer, usa quem quer, e faz isto da maneira como bem entende.

Sendo sincero, o que vi no texto foi à perigosa tentativa, ainda que subliminar, de mantermos nossas “benesses”, nossos reininhos, nossas igrejolas e instituições. Ali, sinceramente, não discerni a proposta de uma Reforma, com todas as implicações que isto traria, mas apenas uma pincelada de fino verniz aplicado sobre a madeira apodrecida de nossos púlpitos. Ácido ou lúcido?

Você acha os neopentecostais equivocados? Eu também os acho. Profundamente! Contudo, o que dizer de nossas estruturas hierarquizadas, politizadas, de nossos cultos esvaziados, de nossa hermenêutica tendenciosa, de nossa total indisponibilidade para as dores de nosso tempo, de nossa impermeabilidade a outros saberes, de nossos dogmas, de nossa frieza espiritual, de nossa apatia sacramental, e isto para não ter de entrar no “intestino” de nossos sistemas eclesiológicos. Ora, se queremos denunciar algo, vamos tirar primeiro a enorme trave de nossos próprios olhos!

Você já ouviu falar do livro “O Ponto de Mutação”, do físico Fritjof Capra? Num texto extraordinário, Capra compara o pensamento cartesiano – reducionista e voltado ao método científico – ao paradigma emergente do século XX onde, diante de um mundo globalizado, as “percepções” e iniciativas precisam ser holísticas, sistêmicas, indissociáveis, pois estamos diante de um mundo com características diferentes – multifacetado, plurisignificado, interdisciplinar, interconectável.

Em sua análise, as sociedades humanas, e mesmo o planeta, chegaram a um ponto de insustentabilidade, pois os problemas são tantos, tão complexos e diversos, que acabaram por tornar a vida praticamente impossível. E é neste limiar, tomando por referência o que diz o I Ching (oráculo Chinês), que Capra sentencia: “ao término de um período de decadência sobrevém o ponto de mutação”. Ë partindo deste pressuposto que inicia a construção de sua teoria.

Eu não tenho dúvidas em afirmar que a igreja, hoje, está diante do “ponto de mutação”! Nossas estruturas estão exauridas, sofrendo de infecção generalizada. A morte da instituição é algo iminente! Talvez em 2 ou 3 séculos tudo esteja em ruínas. Ou realizamos transformações sérias, ou ficamos na retórica, nos retoques, nas “reformas”, nas mudanças epidérmicas, nos simulacros, nas aparências, no verniz ético, nas exterioridades e conformismos. Que morra a instituição, se tiver de morrer! Mas que sobreviva a Igreja de Jesus Cristo, aquela que está destinada a viver para sempre com Ele.

Eu não tenho “peso” para conclamar mudanças. Mas você que me lê – apóstolo, arcebispo, bispo, líder, presidente de denominação, ou seja lá o que for – saiba, é urgente a necessidade de repensarmos não só o sistema eclesiológico no qual estamos inseridos, mas sobretudo a mensagem que estamos pregando – forma e conteúdo. Sem isto, viveremos em igrejas cheias de pessoa vazias, comunidades sonâmbulas, “com muito movimento e pouca consciência”.

Por mim, quem quiser que pregue heresias. Jesus disse que Suas ovelhas ouviriam a Sua voz. Se estivéssemos fazendo diferença no mundo, com frutos de justiça, todo simulacro religioso seria estelionato visível a olhos nus, e qualquer pessoa, por mais tola que fosse, iria imediatamente discernir. Não quero eliminar o ministério profético, desejo apenas redirecioná-lo.

Está mais do que na hora de voltarmos à simplicidade da mensagem do Galileu, pois só ela é capaz de atingir as massas esgotadas pelo capitalismo selvagem, esmagadas pela cultura da imagem, pela ética dos descartáveis. Estamos diante de homens e mulheres áridos de alma, desprovidos de significados e propósitos existenciais. Eles possuem olhos opacos, mentes embotadas, corações petrificados, mas, creia-me, é gente desejosa de ter uma experiência com o sagrado, transcender, gente sedenta de desenvolver uma espiritualidade sustentável, proativa, instigante, consistente, que materialize no chão da vida novos valores e verdades.

Do jeito que a coisa está, toda proposição vira apenas disputa filosófica. Na Grécia antiga, era comum o cidadão ir a Ágora – uma espécie de praça pública – para assistir aos embates entre os sábios. Houve um tempo em que estes debates eram feitos pelos Sofistas, mestres itinerantes, tidos por muitos como mercenários. O Sofista utilizava-se da argumentação lógica para atingir o seu objetivo, que era vencer o adversário através de suas proposições, e isto independente de ser ou não verdade aquilo que proferia.

Deus nos poupe de cairmos nesta falácia! Encalhar no mar das argumentações, das acusações, perdendo tempo com disputas teológicas, analisando modelos eclesiológicos falidos, presos a eterna verborragia retórica, e assim, esquecermo-nos do principal, das pessoas, de suas dores e dramas.

Neste tipo de disputa, todo mundo perde, e o “espetáculo” fica triste e trágico. Na melhor das hipóteses, o que iremos assistir será, de um lado, com viola e pandeiro na mão, os “novos evangélicos” cantarolando: “ado, ado, ado, cada um no seu quadrado” e, do outro lado do “corner”, equipados com seus trios elétricos e muita “pirotecnia gospel”, os neopentecostais replicando: “tô nem aí, tô nem aí, pode ficar no seu mundinho eu não tô nem aí”. Quem viver, verá!

S o l a G r a t i a !

Carlos Moreira

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